Há anos pertenço à um mesmo homem, e não posso me queixar de maus tratos, pelo contrário, ele sempre nutriu por mim uma fascinação que beirava o doentio, para dizer a verdade: não beirava, ultrapassava a barreira do moral aceitável. O prazer que ele sente ao me manipular em suas mãos é imoral.
Certas noites, eu era retirada da minha inércia por suas mãos obsessivamente trêmulas e quentes, suando um terror insano de quem iria atravessar os limites de si mesmo. Apertava-me sem cuidado, agressivo, frio, mas me movimentava em linhas precisas, em diversas direções.
Eu era jogada ao ar e, sem aviso, atingia uma superfície delgada, rasgando-a, não por vontade minha, mas pela imposição daquele que me detinha e pela naturalidade da minha essência. Sim, sou capaz de ferir com precisão e matar sem prévia consciência.
Não é explicado à mim ou a outras de minha natureza que aquela substância quente e viscosa, que escorre por mim e em toda a minha volta, significava algo ruim ou condenável. Falam de morte, por ela soluçam e berram, mas não é oferecido à mim o conhecimento de tais coisas.
Eu sigo os movimento para os quais sou guiada, não sei e não respondo pelas consequências deles. Falam de crime, assassinato e tragédia, chamam-me de arma branca, mas para mim, eu sou só um produto dos homens: ferro fundido em cabo de madeira. Eis o que sempre fui, o que sou e sempre serei.
Giuliana Sona, Paula Tramontano e Salete Corrêa